Praça Waldomiro Silva em Araçuaí: Onde tudo parece esquecido

04/09/2011 22:19

Sérgio Vasconcelos

Repórter

 

 

 

  Casebres e prédios  em ruínas além de  muito lixo e podridão tomam conta da área

 

 

 

As enchentes que atingiram a região como as de 1919, 1928, 1942 e 1979 forçaram a mudança dos comerciantes para a parte alta da cidade. Na foto acima, canoa em frente à tradicional Casa Telles e Farmácia Ary,  Transporta mercadorias e atingidos pela enchente de 1942. Hoje, no local , está o Cinema Meninos de Araçuaí ( Foto-Arquivo Zina Chaves )

 

 

Quem passa pela região da Baixada, no centro de Araçuaí, até a avenida Nuno Melo, e se depara com carcaças de casebres, prédios em ruínas, além de  muito lixo e degradação, não imagina que ali já foi o centro pulsante da economia do município e da boêmia de décadas atrás. Hoje , o local  se assemelha a um cenário de guerra, onde tudo parece esquecido.

O lugar já foi alvo de  reportagens denunciando o estado de abandono. Porém, pouca coisa mudou de lá para cá.

Símbolo da prosperidade e do progresso, ponto de encontro da juventude dourada e onde muitos comerciantes fizeram fortuna, a praça Waldomiro Silva  está hoje entregue ao Deus-Dará.

Seu declínio se acentuou após as enchentes de 1979. Cansados e inconsolados com os prejuízos causados pelas cheias do rio Araçuaí e Córrego Calhauzinho, os lojistas foram,  pouco a pouco,  deixando a área para se instalarem na parte alta da cidade, no entorno do novo mercado municipal. “ Fomos os últimos a sair”, lembra Juca Paulino, proprietário da Casa Pereira.

Dos anos 30 aos 50, o fox trote, o bolero e as valsas dos clubes Iguaçu, Calhauzinho e Automóvel Clube, embalavam os footings ( passeio ) das moças e rapazes que para ali se convergiam à noite. Era o “ must “, o lugar da moda. O Brasil vivia a Era Vargas, quando inflação e desemprego eram palavras pouco usadas na cidade.

Muita gente, na casa dos 60 anos em diante, ainda  lembra do  Bazar Doche, de Felipe Doche, do Armazém Tanure, do bar do Pepino, das farmácias Ari e Progresso, das Casas Aureira, Pernambucanas, Mineira, Teles, Marcelo, Rage e outras tantas que levaram Araçuaí a ocupar um lugar de destaque no cenário político e econômico do Vale do Jequitinhonha e Minas Gerais.

 

 

Mercado é demolido

 

 

 

Mercado Municipal ( à esquerda da foto ) movimentava o comércio da época. Construído no inicio do seculo 19 ele foi demolido no final dos anos 60; na gestão prefeito João Neiva. Nesta foto de 1919, logo após o fim da 1ª Guerra Mundial, destaca-se além do mercado ,as casas comerciais de Jose Tanure e Clarindo Telles e, ao fundo, a primeira igreja matriz de Araçuai na praça do Coreto.  É possivel ver os costumes da época , como o uso dos ternos de linho,  as carregadeiras d'agua  com seus potes de barro  na cabeça e os jumentos como meio de transporte .  ( Foto-Arquivo Zina Chaves )

 

 

O tempo passou e a praça viu tombar seu velho mercado municipal, construído no final do século 18 e que dava vida ao local. Seus arcos e grades de ferro não foram fortes para sensibilizar a mentalidade da época. Caíram sem resistência em nome do progresso.Em nome da mesma causa, retiraram as pedras do calçamento, tipo amendoim que no passado deram o nome de Calhau, hoje Araçuai. Vieram os bloquetes de cimento. Porém, as lojas resistiam. No lugar do velho mercado surgiram no centro da praça, um horroroso  canteiro sem flores e um marco luminoso de estruturas metálicas que abrigava um aparelho de TV para aqueles que ainda não podiam comprar a novidade da época. Neste obelisco os comerciais luminosos das lojas Kennedy, Pablo Tecidos, Casa Pereira, Casa Marcelo, Casa Gonçalves, Vidroferro, entre outras, pareciam anunciar a resistência dos  que teimavam em permanecer na região, nos anos 70.

Perto dali, na praça do Coreto, o  bar Espigão, abria suas portas para os seus clientes refinados, sob a batuta de Curto e seu filho Zé de Curto.

 

A velha praça da lojas acompanhava  o embranquecer dos cabelos e as noites mal dormidas dos seus ocupantes, com a chegada da crise financeira , da inflação galopante e as cobranças dos títulos bancários vencidos.   Vieram  as falências e o fechar das portas de lojas tradicionais. Era o princípio do fim.

 

 

Zona boêmia que ganhou força nos anos 40 começa a agonizar

 

 

 

  Lixo e entulhos tomam conta da área onde se localizava a antiga zona boêmia de Araçuaí.

 

 

A mais conturbada e complexa vizinha da praça das Lojas - a zona boêmia- também agonizava. Pelas ruas Grão Mogol e Salinas, com seus becos e travessas  que guardaram tantos segredos e sussurros de alcovas já não eram mais as mesmas. À medida que os comerciantes saiam e a cidade crescia, a região foi ficando abandonada. Todo aquele pedaço era inundado quase todos os anos pelas cheias do Araçuaí e Calhauzinho o que desvalorizou a área.

Os bordéis que ganharam força nas décadas de 40 e 50 , devido à construção da estrada Rio-Bahia e da  estrada de ferro Bahia -Minas fechavam suas portas, deixando para trás histórias trágicas de amores efêmeros resolvidos na ponta da faca ou no pipocar dos revólveres.

Mulheres como Ana Tição, Maria dos Dois, Ana Pé Roxo, Maria Cacetão, Maria Larga e outras anônimas Marias  que ofereciam seus corpos nos botequins mal iluminados já eram agora lembranças de um passado inglório, como as músicas que saiam  da sanfona  do velho Elói  que parecia ter 43 dedos em cada mão. Elas  varavam as solitárias  madrugadas de jovens boêmios e respeitosos senhores. A última a abandonar o barco foi a lendária Maria Cheirosa que comandou o Bar Para Todos com mãos de ferro. “ Apesar de tudo, havia respeito”, lembra Maria.

 

 

Carcaças

 

 

 

  A antes movimentada Rua Costa Sena é hoje um cenário de desolação

 

 

 

 Do prédio da tradicional Casa Rage, fundada em 1915 ; ficou apenas a carcaça. A loja funciona atualmente na Praça do novo mercado.

 

 

Atualmente há muitos galpões vazios e danificados. O abandono leva a degradação. O descaso dos proprietários com os imóveis, causam estragos profundos e um retrato da decadência vai desenhando seus contornos em meio ao lixoe entulhos.

Ao passar pelo local você sente a nítida impressão de que no momento da caminhada você ultrapassa o portal do tempo. O eletricista Aguinaldo Silva, o Naka, 62 anos,  vai relembrando ao meu lado, dos botecos e casas comerciais  da época . Ali era  Tindó, acolá o de  Antonio Carcereiro, a padaria de Seu Jayme em frente a do seu Hermelino. Mais à frente, Dú de Neco, Tino Cego, Zé Lima, Geraldão, Geraldo Gazinelli, Roxo. “Está tudo morto”, lamenta Amaury  Sousa Carvalho, 42 anos filho do comerciante Geraldo Gazinelli que faleceu em agosto de 2007.

 

Diogo Pereira Rocha, 18 anos, mora com a mãe e a irmã de 14 na rua Costa Sena, que desemboca na praça das Lojas. “ Quando dá 9 horas da noite, ninguém mais sai na rua. Tem muito vandalismo”, lamenta o jovem que gosta de teatro e sonha com um futuro melhor. “ Moram quatro famílias na rua. Diversão aqui é só o rio Araçuai”, diz ele, reclamando do som alto de uma casa de prostituição nos fundos. “ Ninguém dorme”, reclama o garoto.

Passamos para a rua Salinas onde encontramos Lúcia Ferreira, de 52 anos.  Ela mora há 4 anos com o companheiro,  num casebre em ruínas. Lúcia relata que o IBGE não esteve lá para recensear os moradores. Tem oito pessoas na casa de 4 cômodos, entre elas, três crianças. A mais velha, com 12 anos. Da porta da casa tem-se a visão total do abandono. Muito entulho e lixo acumulados. Em setembro de 2001 uma comissão de uma entidade francesa e gerente da Caixa Federal visitaram o local mas,  descartaram a possibilidade de liberar recursos para a restauração da área. O empresário Carlos Lauro Ursine, sócio da rede de postos de combustíveis Cristal comprou vários imóveis na região na tentativa de melhorar o aspecto do lugar e valorizar a área. A Comissão Municipal de Patrimônio Histórico de Araçuaí defendia a preservação dos casebres quando o empresário começou a demolir as carcaças das casas. Na época, o jornal Gazeta publicou matéria com o título “ Querem preservar a podridão”. O mesmo jornal já havia retratado a situação na matéria “ Vida e Morte de uma praça”  publicada em novembro de 1997.

 

Atualmente a  prefeitura tenta buscar parceiros na iniciativa privada para promover a requalificação  urbanística e ambiental da região. Uma das alternativas é transformar a área em um eixo cultural. O prédio de dois andares onde funcionou o clube Iguaçu e a Casa Mineira,  foi comprado pela prefeitura que depositou em juízo parte do dinheiro. No entanto, a suposta proprietária entrou na Justiça alegando o valor pago. Enquanto a causa não for julgada, para saber quem realmente é o proprietário do imóvel, nada pode ser feito. O prédio ameaça desabar. Nele moram duas mulheres e um rapaz.

Hoje, no entorno da praça, funcionam algumas oficinas de artesãos do couro. Aos poucos outras empreendimentos foram se instalando na praça Waldomiro Silva,  como madeireiras, serralherias, um cinema, uma barbearia que levam um pouco de vida ao lugar, porém, os moradores denunciam a presença de traficantes e usuários de drogas que à noite ocupam os imóveis abandonados . “ Queremos que a prefeitura retire o entulho e melhore a iluminação”, pedem os comerciantes da região. O certo é que se houver boa vontade, mobilização dos proprietários dos imóveis e ajuda do poder público, a região da Baixada pode se transformar em um cartão postal e ponto turístico da cidade. É só querer.

 

Prédio que abrigou as casas Pernambucanas e loja de Dema serve hoje como depósito de lixo. Ao fundo, casarão que foi sede do Automovél Clube  e Casa Mineira está em ruinas e em  disputa judicial.